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Não queremos a Abundância

“Abundância é você ter o que precisa no momento em que precisa. Não é patrimônio, não é acúmulo”. Osvaldo Oliveira.

Temos vários motivos para acreditar que não queremos a abundância em nossa vida. Gostamos somente do que é raro, escasso, daquilo que não tem para todo mundo.

Parece um paradoxo, não é? Como assim, não querer a fartura, o excesso, a abundância?

Sim, parece. Mas não é!!

O livro Utopia foi escrito em 1516, por Thomas More, estadista e articulador político do rei Henrique VIII, da Inglaterra, com quem se desentendeu e foi condenado à morte em 1535.

Nesta obra secular, o autor faz um contraponto entre a sociedade inglesa da época, bastante decadente, com o povo de uma ilha imaginária do Novo Mundo, a Utopia. Do grego: ou (não) e topos (lugar), ou seja, “lugar que não existe.”

Na Utopia

Nesta sociedade, há uma distribuição muito mais justa de bens e oportunidades. Em suma, trata-se de um paraíso onde não existem desigualdades e onde a individualidade não encontra espaço para se manifestar.

O mais interessante é que, estudando os documentos remanescentes da época, temos fortes razões para acreditar que o que Thomas More descreveu como ficção, na verdade, era o sistema de vida dos habitantes de alguns povos, na América recém-descoberta.

Se esse regime de vida social pode ter acontecido em algum momento da história, então seria possível novamente, em nossa vida contemporânea.

Vamos ver quão inusitado é o sistema de valores dos utopianos:

“O ouro e a prata não têm, nesse país, mais valor do que lhes deu a natureza. Esses dois metais são ali considerados bem abaixo do ferro, o qual é tão necessário ao homem quanto a água e o fogo. Com efeito, o ouro e a prata não têm nenhuma virtude, nenhum uso, nenhuma propriedade cuja privação acarrete um inconveniente natural e verdadeiro. Foi a loucura humana que valorizou tanto sua raridade.

A natureza, esta excelente mãe, escondeu-os em grandes profundidades, como produtos inúteis e vãos, enquanto expões a descoberto a água, o ar, a terra, e tudo o que há de bom e realmente útil.” (1)

Vejam só que interessante!!! O que tem valor é útil para a vida e é disponível para todos. São fartos e abundantes e, sem eles, não conseguiríamos viver. Estão expostos e são acessíveis para todos.

O que a terra esconde, como o ouro, prata, pedras preciosas ou o que o mar esconde, como as pérolas, não devem ser bons, pois ficam fora de alcance, na natureza. E a conclusão óbvia:

“Foi a loucura humana que valorizou tanto sua raridade.” (2)

Desta forma, percebemos que não nos damos conta da importância da luz do sol, do ar fresco, da água potável, da terra que nos suporta e alimenta, da maravilhosa profusão de flores e frutos que temos disponíveis simplesmente porque são… abundantes.

Reclamamos nos dias chuvosos, porque nos atrapalha no trânsito, sem nos darmos conta de que, se não fosse a ação das chuvas, dificilmente teríamos a quantidade de verde suficiente para purificar o nosso ar e germinar nossas sementes.

Ao invés disso, ficamos ansiosos pelo último modelo de carro esportivo, pela última versão do celular ou do videogame, pagando preços estratosféricos por produtos importados que estão muito mais ligados a status do que a atendimento de necessidade propriamente dito.

Desta forma, ao não reconhecermos a importância dos elementos vitais que são fartos, deixamos de nota-los e, pior ainda, de agradecer a todas essas benesses que a vida traz todos os dias, simplesmente porque estão aí, disponíveis.

Escassez

Considerando que nossa mentalidade e padrão de pensamento moldam nossas vidas, podemos dizer que NÃO estamos preparados para uma vida de abundância.

Existe toda uma ciência que foi desenvolvida com base na escassez, que é a Ciência Econômica. Ela foi criada porque os desejos são ilimitados e os recursos para atender esses desejos são escassos.

Assim, foi necessário todo um estudo para priorizar o que, quanto, como e para quem produzir, considerando que nunca atenderemos todos os anseios…

Anseios esses que foram gerados, criados pela ditadura da propaganda intensiva, que nos afirma categoricamente que nunca seremos felizes se não estivermos em pleno consumo de todas as novas marcas, das novas grifes, das novas tendências.

Se toda nossa cultura e sistema giram em torno da escassez, é ela a prioridade. E dedicamos ao deus Capital nossa maior devoção, elevando-o ao topo no panteão das divindades.

Como valorizamos a escassez, é ela que mais incide em nossas vidas. Como simplesmente nem notamos a abundância, ela passa ao largo.

Até porque, mesmo estando sempre presente, nós sequer a notamos.

Assim sendo, podemos dizer, com toda convicção, que:

Não queremos a Abundância em nossas vidas. Ela é para todos, não nos traz diferencial nenhum!!!

Queremos aquilo que é exclusivo, que não tem para todo mundo, que é raro, que requer muito sacrifício para ser obtido.

Parece parodoxal e realmente é.

Até que consigamos recriar a Utopia, valorizando aquilo que realmente importa, principalmente quando pode ser compartilhado, trazendo inclusão, equilíbrio e felicidade a todos.

Referências:

(1) MORE, Thomas — Utopia — Editora Rideel, São Paulo, 2005 — pg. 88

(2) Idem.

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Sou Helena Siqueira Dornellas

Me identifico como E-E-E:

  • Sou Economista e atuei no Sistema Financeiro, em Cooperativas, no Terceiro Setor, nas áreas de Planejamento e Gestão.
  • Sou Escritora e publiquei dois livros e vários artigos em diversos canais.
  • Sou Educadora, ministrei aulas de Economia e também de Artesanato, principalmente, de Origami e Macramê. E criei o Macra-Gami, que é a junção das duas artes.

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